quarta-feira, 18 de novembro de 2009

A forma(ta)ção nas universidades públicas

Publico o artigo do Estudante Nhamirre. Achei-o importante para estar aqui no MANISFESTO
Canal de Opinião: por Borges Nhamirre
Maputo (Canalmoz) - Não posso passar indiferente ao dia do estudante universitário, sendo eu próprio estudante universitário. Ao celebrar o Dia Internacional de Estudante Universitário, quero partilhar as minhas aflições em relação à formação nas universidades públicas moçambicanas. O papel da universidade é, ou devia ser, de formar cidadãos, no sentido de que ser cidadão implica conhecer e exigir seus direitos e conhecer e respeitar seus deveres. Significa saber que quando o Estado me atribui uma bolsa de estudo, é para garantir a minha formação, não se trata de favor nenhum. Antes pelo contrário, trata-se de uma obrigação que o Estado tem para comigo. Saber que devo exigir que os gestores do Estado – o Governo – me garantam a formação. Acontece, porém, que as nossas universidades estão mais viradas para a formatação, do que para a formação. Formatar é um termo mais usado nas TIC. Refere-se, por exemplo, a um disco magnético, que é preparado para que o sistema seja capaz de gravar e ler dados no disco, criando assim estruturas que permitam gravar os dados de maneira organizada e recuperá-los mais tarde.
Ao que me consta, é exactamente isso que sucede nas nossas universidades públicas. Os estudantes são formatados, ou seja, são preparados para memorizar o que os ideólogos do regime, disfarçados em docentes, dizem. E mais tarde, quando já ostentam títulos de doutores e de académicos, voltam-se para a sociedade e reproduzem os mesmos discursos. Isso desenvolve-se com muita facilidade, na medida em que a maioria dos estudantes de universidades públicas é proveniente de famílias de classe baixa e média-baixa.
Ultimamente, as famílias com posses colocam seus educandos nas universidades privadas nacionais e/ou no exterior. Perante estudantes oriundos de famílias sem recursos, os professores ideólogos encontram terreno fértil para plantar ideologias. Tentam fazer entender ao estudante que o facto de estar a estudar numa universidade, na cidade capital do país, sendo ele nativo de uma zona recôndita, sem luz, água potável, muito menos uma universidade, significa que está a beneficiar do favor do Governo. Como retribuição, directa ou indirectamente, o estudante que foi tirado da aldeia para estudar na cidade capital, é obrigado a filiar-se à célula do partido governamental, que até está perto. Funciona numa sala improvisada na sua faculdade.
O estudante não tem a moral, nem coragem, para negar filiar-se no partido governamental, por mais que discorde completamente da sua ideologia. Mas a filiação do estudante no partido Frelimo, não é a meta final. Depois de filiado, o estudante deve participar nas reuniões da célula que ocorrem na faculdade, onde participam elementos ligados à direcção da faculdade, que têm a missão de levar o estudante a acreditar que só sendo membro do partido governamental é que poderá lograr a alcançar sucesso na vida pós-formação.
O estudante é formatado e levado a acreditar que só sendo leal ao regime, concordando publicamente com todas as acções do partido no poder, poderá obter bom emprego depois da formação, ou ganhar bolsa de estudo para prosseguir com a sua formação no exterior.
O estudante filiado à célula do partido não tem coragem de manifestar seu pensamento contrário à acção do governo. Sente-se, por uma lado, comprometido com o partido no poder, e por outro, consciencializa-se que o Estado lhe prestou favor, ao lhe dar oportunidade de estudar na universidade. Como implicação, o estudante não desenvolve consciência crítica, acha que pensar diferente é ser da oposição. E ser da oposição é ser daquele partido adversário do meu. Adversário do partido que me deu a oportunidade de vir a Maputo fazer a faculdade. Como consequência, temos doutores de títulos, mas que não sabem raciocinar logicamente.
Temos doutores como Carlos Jeque, que falando como jurista, diz que não é grave exceder prazos legais na publicação de deliberações, como se um tribunal aceitasse um recurso intempestivo. Como consequência temos doutores que acreditam que se formaram à custa de favores do Estado. São doutores que duvidam das suas própria competências, que pensam que tudo o que são foi à custa de favores, que sentem que devem retribuir os favores. Isto alastra-se até ao mercado de trabalho. Estes doutores, formatados (não formados), nas universidades públicas, só servem para instituições públicas, onde a cor partidária é mais importante do que a competência. No sector privado, onde a competência e criatividade são indispensáveis, não há espaço para estes estudantes de hoje e doutores de amanhã. Isso tem implicações graves para o país. Os melhores engenheiros, os melhores advogados, os melhores treinadores da selecção nacional, os melhores docentes, os melhores médicos, ou se formaram no exterior, ou são estrangeiros. A quem cabe reverter esta realidade? A nós todos, começando por cada um de nós.
Com este texto, acredito que já iniciei a fazer a minha parte. PS: Parabéns a todos estudantes universitários moçambicanos, no país e na diáspora, nas universidades públicas e nas universidades privadas. Somos o garante do Moçambique de amanhã. Cabe a nós decidirmos que País queremos ser. Um abraço especial vai para todos estudantes do Instituto Superior de Relações Internacionais (ISRI), minha faculdade, que apesar dos problemas que tem, tirando a implantação da célula partidária, considero-a uma das melhores do país, até que me provem o contrário.
(Borges Nhamirre) 2009-11-18 04:59:00