terça-feira, 9 de junho de 2009

GLOBALIZAÇÃO, DESAFIOS EDUCATIVOS E ATRASO PEDAGÓGICO das UNIVERSIDADES MOÇAMBICANAS. Quo vadis o ensino superior em Moçambique?

GLOBALIZAÇÃO
A globalização é um conceito bastante vulgar, mas ao mesmo tempo deveras complexos de definir. Desde a sua intensificação periodizada a partir da queda muro de Berlim em 1989 e o do fim da guerra-fria em 1990 e o desmoronamento da União das Repúblicas socialistas soviéticas (URSS), o conceito da globalização domina debates quase todas áreas do saber. Não obstante, apesar de acesos debates em volta deste conceito, a globalização continua abstractamente um enigma, permanecendo regido entre duas pontas de caracterização. Uns caracterizam-na como processo, olhando para as transformações que ocorrem no dia a dia no planeta. Outros, mostrando a sua impressão sobre as tais transformações, preferem caracteriza-la como fenómeno.
Na verdade as transformações em todos domínios da sociedade são visíveis. E, quando se olha para o conceito em si qualquer coisa de fenomenal, mítica e misteriosa existe.Nas ciências sociais este processo ou fenómeno é mais dominante e mais interessante, uma vez que esta área é que mais sofre com suas consequências por estar directamente ligada á dinâmica da sociedade. Enquanto 1+1 continua igual a 2 na Matemática, a célula continua a unidade básica dos seres vivos na biologia, o átomo continua átomo na química e a força de gravidade continua a sê-lo na física, nas ciências sociais o assunto é diferente.
O sistema internacional do período compreendido entre 1945 e1989/90 não é o mesmo nas Relações Internacionais. A cultura, os usos e costumes das sociedades africanas na era colonial não são os mesmos da nossa era. Os vectores da economia, nomeadamente o que produzir, como produzir e para quem produzir na época de Adam Smith não são os mesmos na nossa era. Portanto quanto as ciências “exactas’’ sofrem transformações globalizadas nos meios de pesquisa, as ciências sociais são globalizadas nos conteúdos, nos métodos e nos meios.Nesta perspectiva vários cientistas sociais e políticos incluindo os filósofos têm-se preocupado com a busca de um conceito mais global e mais uniforme da globalização.
Hirst & Thompson (2001:22-23) consideram globalização como “ o desenvolvimento de uma nova estrutura económica”, voltada para um maior comércio e investimento internacionais dentro de um conjunto existente das relações económicas. Estes autores acrescentam que o processo como este [Globalização] implica a continuidade da relativa separação das infra-estruturas internas e internacionais para formulação de políticas e a administração dos assuntos económicos.
Defarges (1993:14) prefere adoptar a designação francesa da globalização. Alias, de próprio é um francês. Por isso não chama fenómeno ou processo de globalização, preferindo a utilização do termo mundialização para descrever o mesmo objecto. Segundo este autor a mundialização surge como resultado de impulsos intermitentes, desencadeados pela convergência de forças técnicas, económicas, políticas ou religiosas. Note-se que contrariamente aos dois autores anteriores, que definem a globalização numa perspectiva económica, Defarges define-a numa perspectiva histórica. Na mesma perspectiva se baseia o Leonardo Boff (2002:25-29). Para Boff a globalização pode-se definir como um processo histórico de integração e interdependência social, económica e religiosa. Já por sua vez, Boaventura de Sousa (2002:11) designa por globalização a intensificação das interacções económicas, sociais, políticas e culturais.
Como já se disse no princípio, varias são as definições do termo globalização e dificilmente se esgotariam nestas páginas. Mas, seja como for, da leitura minuciosa das definições acima pode-se, por efeitos puramente metodológicos e não em definitivo, entender a globalização como um processo histórico e fenomenal caracterizado por uma intensificação das interconexões económicas, políticas, sociais, culturais, científicas, tecnológicas e religiosas.
“Trata-se de um processo ou fenómeno complexo que atravessa diversas áreas da vida social” (Sousa, Ibid), tais como sistemas produtivos e financeiros, revolução tecnológica, revolução de práticas de informação e comunicação, erosão da soberania do Estado-nação e da redescoberta da sociedade civil. Ainda pode-se apontar o aumento exponencial das desigualdades sociais, as grandes movimentações transfronteiriças de pessoas como emigrantes, turistas ou refugiados, o protagonismo das empresas multinacionais e as novas práticas culturais e identitárias e as novas formas de da busca do saber ou do conhecimento, como características da globalização. Enquanto para Sousa (ibid:25) a extraordinária amplitude e profundidade destas interacções transnacionais levaram a que alguns autores as vissem como ruptura em relação ás anteriores formas de interacções transfronteiriças, em nós ressuscitam uma grande preocupação com relação aos desafios que este fenómeno ou processo impõe na educação em todas suas dimensões e sobretudo com relação aos métodos pedagógicos que continuam a ser usados em algumas universidades moçambicanas.
Educação
No dia a dia ‘e comum ouvir e ler a palavra educação. Da comunicação social ouve-se Ministério da Educação e Cultura fez…O Ministro da Educação inaugurou uma escola, os pais e encarregados de educação reuniram-se. Dos documentos ou dos fora especializados fala-se do sistema nacional de educação, da educação e desenvolvimento ou da educação e cultura. Na sociedade fala-se de boa ou má educação; um indivíduo sem educação, etc.
Nestas acepções existe um denominador comum - a educação. Que é então a educação?A educação é um conceito multidimensional e muitas vezes toma significado em conformidade com o contexto em que está e ser aplicado.
Eduardo Humbane[1], reconhecendo esta multidimensionalidade do conceito “educação” disse que a educação podia ser visto como acção, instituição, conteúdo e como produto.Educação como acção explica ele – é o processo de realização de influência educativa, isto é, processo de mediação de conhecimento que é feita por alguém, normalmente mais velho ou alguém que tenha mais conhecimentos, ao mais novo ou ao que tenha menos conhecimentos, com a finalidades de desenvolver capacidades. A educação como instituição, segundo Humbane, é falar da estrutura ou sistema e o seu funcionamento.
A educação como conteúdo refere-se àquilo que é veiculado nos domínios curriculares e aquilo que é transmitido. E, remata Humbane, educação como produto dá enfoque nos resultados.Olivier Reboul[2], citando por Lourenço de Rosário[3] define a educação como “acção consciente que que permite a um ser humano desenvolver as suas aptidões físicas e intelectuais, bem como as seus sentimentos sociais, estéticos e morais, com objectivo de cumprir tanto quanto possível, a sua missão como homem”.
Já para finalizar esta busca conceptual, é importante trazer o conceito da educação formal em Moçambique veiculado na Lei nº 4/83. Nesta Lei, a educação é vista como um sistema ou instituição, acção ou conteúdo. Portanto o termo educação é definido como “um processo organizado por cada sociedade para transmitir as novas gerações as suas experiências e valores, culturas, desenvolvendo as capacidades e aptidões do indivíduo, de modo a assegurar a reprodução da sua ideologia e das suas instituições económicas e sociais” (Lei nº 4/83:9). Desta forma, a educação vai ser vista como sistema veiculado nos currículos e vocacionado para consciencialização do Homem, transmissão de experiências, conhecimento e valores culturais, desenvolvendo aptidões físicas e intelectuais, bem como os seus sentimentos sociais, estéticos e morais, para cumprir tanto quanto possível, a sua missão como Homem.
Globalização e Desafios Educativos
Nas três últimas décadas, as interacções transnacionais conheceram uma intensificação dramática, desde a globalização dos sistemas de produção e das transferências financeiras, a disseminação, a uma escala mundial, de informação e imagens através dos meios de comunicação social ou as deslocações em massa de pessoas, quer como turistas, quer como trabalhadores migrantes ou refugiados. (Sousa, op.cit:25). Neste processo o saber ou conhecimento jogam um papel bastante indispensável.
O mundo experimenta hoje de forma mais generalizada o desenvolvimento abordado como mero crescimento, a democracia como um conjunto de direitos apenas individuais, aos quais têm pleno acesso somente aqueles que vivem do capital, mais que sua força de trabalho e a educação como um processo selectivo e de carácter predominante funcional, visando formar pessoas dispostas e capazes de perpetuar o sistema dominante de divisão do trabalho (Boff & Arruda 2002:11).
Efectivamente vive-se hoje numa era tecnológica e da informação, onde informação é capitalizado e comercializado, impondo à educação um dinamismo sem precedentes com destino a uma verdadeira revolução do saber. O desenvolvimento humano enquanto processo económico, social, cultural e político abrangente, que visa o constante melhoramento do bem - estar de toda a população e de cada indivíduo na base da sua participação activa, livre e significativa no desenvolvimento e na justa distribuição dos benefícios resultantes dele” (ECOSOC, 1993:3), ou alargamento de escolhas (Jonsson, 2003:3), exige maior dinamismo dos sistemas de educação, objectividade das disciplinas curriculares, democracia dos regulamentos de avaliação, liberdade de expressão e de pensamento dos alunos.
Isto significa que na era da exploração do saber, deve existir uma educação da praxis no lugar de educação dogmática, e estática fundamentada em currículos, programas e regulamentos ditatoriais e desajustadas, que exigem o estudante a decorar e reproduzir o que o professor quer e dificilmente ensina, colocando o professor como senhor do conhecimento e o aluno como cativo ou escravo da reprodução desses conhecimentos. Alias, como afirma o Lourenço de Rosário “ o dogmatismo seja ele familiar, religioso, político, social, económico ou pedagógico, contribui para diluir a pessoa que é sujeito, em massa amorfa sempre a espera de ser comandada’’. Daí a importância da educação da praxis.
A educação da praxis compreende todos os aspectos da vida do educando, desde os relacionados a sua poesia até os que a situam nos contextos sociais e históricos mais abrangentes. Trata-se da educação de praxis na sua perspectiva omnilateral. Na perspectiva onmidimensional a educação deve abranger todas as dimensões e todos os potenciais do ser individual do educando e do ser colectivo a que pertence, desde o corpo e os seus sentidos até a mente, a psique, o espírito com seus múltiplos atribuídos. Isto obriga os educadores e instituições a colocarem a pesquisa do universo social e cultural dos educandos como uma componente básica e indispensável na elaboração de currículos e programas. Trata-se de edificar cada educando como pesquisador permanente de sua própria realidade (Boff & Arruda op.cit:138).
A relação entre a globalização e educação é claramente explicada pelo Dale[4] (2001) citando por Cortesão & Stoer (2002:379). Dale explica que o desenvolvimento dos sistemas educativos e das categorias curriculares nacionais em vez de ser explicado por nacionais distintivos, é compreendido através de utilização de modelos universais da educação, estado e sociedade. Além disso, continua explicando, a natureza mutável da economia capitalista mundial que constitui a força principal da globalização procura influenciar, embora haja efeitos de medição, os sistemas educativos nacionais.
Doutra maneira isto quer dizer que face as mudanças económicas globais, a educação deve estar preparada para formar quadros preparados para responder as exigências da economia capitalista cada vez mais crescente e exigente.
É importante ter em mente que a “explosão o saber” trazida pela globalização impõe a aceleração da remodelação dos sistemas educativos. Onde haja maior extensão do saber e haja fácil acesso aos instrumentos necessários à investigação pelo estudante comum: bibliotecas, laboratórios, equipados, salas de informática ligadas á Internet, entre outros.
Por outro lado, “o mercado hoje é que determina a localização dos recursos de produção” (Vaisey, 1968:42). Nesta óptica será o mercado a determinar o tipo de quadros que a educação deverá formar para o mercado de trabalho cada vez mais competitivo e selectivo nesta era da globalização. “Daí resulta uma conjugação de esforços gigantescos no sentido se remodelarem os programas e de se proceder a sua reorganização, a fim de que nele integrem as noções das descobertas recentemente efectuadas, como base do ensino elementar moderno”, (ibid:43). As remodelações aqui referidas consistem em mudanças ou inovações dos métodos de avaliação, actualização das matérias, aperfeiçoamento e actualização dos professores.
Além disso, o mundo actual é o mundo bastante complexo em que não se pode perder tempo. Esta complexidade quando é transportada para o sector de educação, implica encurtamento dos currículos educativos, e especialização dos cursos, já especialmente no ensino superior, já que, é possível dominar bem um assunto a saber muitas coisas de maneira superficial” (ibid). Sublinha-se o ensino superior porque pressupõe-se que o estudante superior é esclarecido e que um homem esclarecido pode, sem ajuda alheia, dominar um vasto campo de conhecimentos se lhe tiverem ensinado cuidadosamente a maneira de aprender um só assunto (Vaizey, ibid:44). Para isso, as instituições devem-se preocupar com o melhoramento da sua qualidade, reformando os seus currículos e programas, porém olhando sempre para as exigências do mercado do trabalho e para velocidade das informações sociais, económicas, políticas, culturais, científicas e tecnológicas, sob risco de, em caso contrário, ficarem fora do barco da globalização e assim a acontecer entrarão em falência.
O ATRASO PEDAGÓGICO DAS UNIVERSIDADES MOÇAMBICANAS: QUO VADIS O ENSINO SUPERIOR EM MOÇAMBIQUE?
Algumas universidades moçambicanas têm mais de 20 anos de existência e outras acabam de nascer. Efectivamente, assistimos hoje, em Moçambique, uma expansão apaixonada, emocional e política de estabelecimentos de ensino superior. Porém, esta expansão é não parece ser sustentável, uma vez que não é acompanhada por uma produção bibliográfica, equipamento e material, bibliotecas e laboratórios, cingindo-se em fotocópias e laboratório disfuncionais. Por outro lado, a expansão do ensino superior não é acompanhada por um número equivalente docentes e pessoal técnico – administrativo, o que implica a continuação de atendimento remoto e formação deficiente de tipo 12ª + 3+1 ou 12ª +3+3.
No que diz respeito a pedagogia e didáctica, algumas as nossas universidades constituem um exemplo bem acabado de atraso didáctico - pedagógico ao nível das instituições no ensino superior na região, em África e no mundo. As nossas instituições do ensino superior, contrariamente as das outras arranges, continuam agarradas à intensificação do formalismo educativo, rigidez, dogmatismo e ditadura. Junta-se a esta rudimentalidade, o aumento do número de estudantes sem seu devido acompanhamento em termos de espaço. E mais, existe por um lado, um ensino insoluvelmente ligado ao poder político do dia – aquilo que Venâncio Mondlane designa por “Sindroma de Imunodeficiência Intelectual” ou por “Prostituição Intelectual”, e, por outro lado, os professores são os únicos com acesso a informação, uma vez que não existem (?) bibliotecas com conteúdo. Os currícula muitos deles estão já desajustados à realidade ou não se enquadram nos desafios do mercado de trabalho moçambicano. Alias, quanto a isso as próprias instituições do ensino superior felizmente reconhecem que estão fora da competição e assim estando, precisam de se preocupar para responderem aos novos desafios que os processos de transformação económica, social e política aos nível local, nacional e global lhes impõem.
Mas, estas instituições deveriam reconhecer igualmente que os seus graduados, enquanto domesticados, oprimidos e inibidos de pensar e de expressarem criticamente como sujeitos do saber, encontrarão dificuldades no mercado de trabalho cada vez mais exigente da criatividade e da livre iniciativa. Esse reconhecimento as levaria à afirmação de que os processos de globalização e regionalização tornam o processo de ensino e aprendizagem cada vez mais complexo e que, portanto, exigem do estudante um empenho, um renovar e um afinar permanentes do seu saber. As universidades moçambicanas devem equipar-se para servir de fonte e fórum desta renovação e aprofundamento do saber que o estudante necessita.
Algumas das nossas universidades continuam amarradas ao velho princípio colonial, segundo o qual formar com qualidade é chumbar a muitos alunos e é atribuir notas baixas, esquecendo-se que hoje o empregador impressiona-se primeiro pelas notas e depois pelo trabalho prático. E mesmo no que diz respeito ao trabalho prático, as universidades moçambicanas não têm ainda formalmente planos de estágio profissional. Se existem são mal acompanhados.Estas circunstâncias agravam-se pela existência de alguns educadores ditadores e pouco sociais e psicopedagogicamente pouco ou nada preparados. Estes sobrecarregam estudantes de fichas de matéria de estudo, esquecendo-se que “nenhum homem, ainda que se trate de um prémio Nobel”, pode dominar todo o campo da sua especialidade (Vaizey, op. cit:48).
Estes todos factos relatados, apenas contribuem para depreciação das instituições de ensino superior em Moçambique e da qualidade de seus graduados, o que se continuar assim, estas vão entrar em colapso com riscos de desaparecimento, face ao avanço do processo de integração regional em curso na Região.
Outro factor não pouco importante, embora não pedagógico, mas que influencia na pedagogia é a organização técnica administrativa. Sob uma administração desconexa, inflexível e antipática, as instituições do ensino superior em Moçambique não se desenvolverão.
As administrações das nossas universidades, queiramos ou não ouvir, não respeitam ao princípio de justiça e da imparcialidade. Além disso são opacas e pouco colaboram com os discentes e os docentes. As decisões muitas vezes não tomadas em colectivo (Caso PBL na Faculdade de Medicina da UEM) e quando as decisões não são tomadas mediante a consulta dos visados, neste caso as colectividades a quem serve, tais decisões não servem na prática. Por outro lado, a administrações são pouco céleres e os seus actos são pouco fundamentados. E mais, o princípio de igualdade e da proporcionalidade são severamente violados, prejudicando muitas vezes aproveitamento pedagógico dos estudantes.
Propostas do como tirar as universidades moçambicanas da beira da decomposição
Diz a lei natural desenvolvida por Darwin que na luta natural pela sobrevivência os mais fortes sobrevivem e os menos fortes desaparecem. Estamos actualmente em franco processo de integração regional, continental e global. Isto significa que as Universidades se não preparem com tempo poderão perder protagonismo e, como tal, vocacionar-se-ão à formação de quadros inúteis ao mercado interno e regional, dando lugar a invasão de quadros formados em outras universidades fora de Moçambique – mão-de-obra estrangeira. Por esta razão, as nossas instituições do ensino superior precisam, urgentemente, de se fortificar para conseguirem contrabalançar a lei da selva conhecida por globalização.
Como faze-lo? A primeira saída é a remodelação dos métodos pedagógicos. As universidades moçambicanas devem libertar os estudantes para assuntos da actualidade, fornecendo – lhes ferramentas que lhes permitam abrir o vasto arsenal de conhecimentos humanos, isto é, desobrigar o estudante a estar na sala de aula quase durante todo o dia. Isto implica a redução das cargas horárias e a revisão dos regulamentos de avaliação. Isso a acontecer daria tempo tanto para os estudantes quanto aos docentes para suas investigações e aumentaria sobremaneira o rendimento.
Segunda saída, a educação nas nossas universidades deve ser contínua, permitindo a actualização dos conhecimentos, em vez de ser apenas um meio de conservar os valores tradicionais. E mais, a educação deve-se centrar no estudante, reconhecendo-lhe a autonomia e aventura em terreno desconhecido, limitando o docente ao papel de orientador e não como dono incontornável das matérias e virtualmente um único proprietário do saber.
Os docentes são um factor que merece a maior atenção. É preciso que os docentes tenham ambição de pesquisa e de inovação nas suas atitudes, nas suas concepções e nas suas práticas, à luz da teoria da nova racionalidade (Tavares, 2003:113). Além disso, os docentes devem ser antes de mais, inovadores, cientistas, pedagogos e técnicos, e isto deve se reflectir no processo da formação. Adicionando ao factor inovação, está o factor ético. Os docentes ao invés de transmitir os saberes relacionados com a disciplina que está sob sua responsabilidade e mais nada e obrigar o aluno a memorizar e a repetir já o conhecimento já instituído, numa relação do tipo “quem sabe e manda aquele que estudou”, deve pautar por boas maneiras. Docentes devem sair do dogmatismo e da ditadura para assumir o papel de educadores da praxis.
Um educador da praxis é aquele que privilegia um processo interactivo educador e educando no qual ambos aprendem, mediante acções que envolvem intercâmbios verbais e intervenções na própria sociedade e na natureza.
“É educador todo aquele ou aquela que ensina não apenas uma disciplina em particular, mas, ao mesmo tempo, a arte de viver. E é educador da praxis todo aquele ou aquela para quem a única forma de aprender e ensinar esta arte e vivê-la. Cabe ainda ao educador da praxis colaborar activamente para formação de uma massa crítica de consciência que contribua para formulação de uma nova visão, definindo a razão de ser da vida humana individual e em sociedade”(Arruda, 2002:141-142).
Contudo, “ repensar os comportamentos e o envolvimento dos docentes e dos alunos e o currículo na sua dimensão instituída e instituinte como um verdadeiro instrumento de formação não é suficiente: é preciso também repensar e transformar as próprias instituições e, designadamente, todo o sistema de organização, administração e gestão” (Tavares, op. cit:124). Isto implica haver infra-estruturas compatíveis ou capazes de responder a demanda das necessidades dos docentes e discentes. Sabe-se que as universidades moçambicanas enfrentam sérios problemas de espaço e enfermam do vírus da inércia ou resistência a mudanças, especialmente quando se olha para a sua administração e liderança.
Porem, e como escreve Tavares (ibid), “é muito mais fácil mudar ou mesmo transmutar as próprias instituições, a sua organização e gestão, bem como a própria administração, ainda que ofereça mais resistência em virtude dos interesses instalados das pessoas que, normalmente, não se sentem motivadas para alterar a situação”.
Isto implicaria, no caso vertente das nossas instituições do ensino superior, a mudança de atitude, da forma de agir e de formação de pessoas e dos principais actores (docentes e discentes), ainda que esta mudança seja complicada. E mais, as mudanças requerem uma nova configuração de ideias que Tavares (ibid) resume em quatro: a) Uma maior descentralização e flexibilidade; b) Uma maior colaboração entre todos os seus agentes;
c) Um maior domínio e utilização das tecnologias de informação e da comunicação;
d) Uma maior atenção aos contextos políticos, ideológicos, culturais ou multi e transculturais;
e) Um maior envolvimento dos principais actores do processo, os alunos e os docentes.
Finalmente, “os gestores responsáveis, os docentes, os alunos, o pessoal administrativo, técnicos e auxiliares deveram, pois ser mais autónomos, conscientes, responsáveis, colaborantes e competentes no uso e no domínio das tecnologias da informação, nos seus desempenhos, uma vez que todos, seja qual for o seu estado em que se encontrem, terão de ser bons profissionais”. (Tavares, ibid: 125) só assim as universidades moçambicanas serão salvas do marasmo de atraso pedagógico em se encontram.
Referências Bibliograficas
ARRUDA, Marcos & Leonardo Boff (2002). Globalização, desafios sócioeconómicos, éticos e educativos, 3ª edição. Editora Vozes, Petrópolis.JONSSON, Urban (2003). Human Right Approach to Development Programming, Unicef, Nairobi.
TAVARES, José (2003). Formação e Inovação no Ensino Superior, 1ª Edição, porto Editora, Porto.VAIZEY, John (1968). Educação no Mundo Moderno, Biblioteca universitária Inova, Porto.
REPÚBLICA POPULAR DE MOÇAMBIQUE (1985), Lei nº 4/83, Sistema Nacional de Educação – Linhas Gerais, Instituto Nacional do Livro e Disco.
DEFARGES, Philippe Moreau (1993), A Mundialização. O fim das fronteiras? Instituto Piaget, Lisboa.
HIRST, Paul & Grahame Thompson (2003). Globalização em questão, 3ª edição, Editora vozes, Petrópolis.
CORTESÃO, Luiza & Stephen R. Stoer (2002), Cartografando a Trasnacionalização do Campo Educativo: O caso Português. In Santos ( org) (2002), A Globalização e as Ciências Sociais, Cortez Editora. São Paulo.
SANTOS, Boaventura de Sousa (2002). Os Processos de Globalização, in Globalização e as Ciências Sociais, Cortez Editora. São Paulo.
DO ROSÁRIO, Lourenço (2006). Educação para Construir o Homem Moçambicano, in Jornal “O Pais” de Sexta-Feira dias 31 de Março e 7 de Abril de 2006.
ISRI (1998), Projecto do Plano Estratégico do ISRI, Maputo.
[1] Eduardo Humbane, professor de Planificação de Educação no curso de PAGE, na Faculdade de Ciências Pedagógicas, Universidade Pedagógica UP, 20/03/06.
[2] Reboul, Oliver, La Philosophie de L’éducation.[3] Do Rosário, Lourenço, Educação para Construir o Homem Moçambicano, in Jornal “O País”, Sexta – Feira, 31 de Março de 2006.[4] Dale, Roger (2001), Globalization and Education: “Demosnstrating a Common World Educational Culture” or “Locating Structural Educational Agenda?” Educational Theory ( no plero).

DA GEOPOLÍTICA DA DÍVIDA À GEOPOLÍTICA DA FOME:

Introdução Os programas de ajustamento estrutural foram vistos como uma forma de resolver a crise da dívida que assolou o Terceiro Mundo nos anos 80. De 1980 até aos nossos dias, os programas de ajustamento estrutural continuam a vigorar, tomando sempre novas realidades para se adaptarem a mudanças de varia ordem que se vão operando no sistema internacional. Aparentemente definidos para promover o crescimento económico, os programas de ajustamento estrutural não serviram mais do que veículos para a implantação, a nível global, do neo-liberalismo económico e galvanização do sistema capitalista, num mundo em confrontação entre o Ocidente e Leste, na esteira da Guerra Fria. Efectivamente, o capitalismo “triunfou” (usando a expressão de Francis Fukuyama) e o comunismo sucumbiu. Um outro objectivo de fundo que ultrapassa o objectivo virtual de expor o mundo subdesenvolvido nas telas do desenvolvimento económico, foi o de amarrar o Terceiro Mundo à economia do mercado, perpetuando-o sempre como maior destino dos produtos manufacturados e como fornecedor de matérias-primas necessárias para o endinheiramento dos seus profetas. – os países do Primeiro Mundo. Primeiro a dívida, segundo a fome Se da crise da dívida surgiram os programas de ajustamento estrutural, da fome não há nenhum programa integrado que vise aniquilá-la. Isto acontece porque se está perante um problema que pouco interessa aos mentores dos programas de ajustamento estrutural. Na década 80 tratava-se de recuperar, a todo o custo, os investimentos e empréstimos feitos ou concedidos aos países subdesenvolvidos. Hoje, não se trata de recuperar os empréstimos, mas de escassear cada vez mais os alimentos, com vista a abrir mais mercados e lograr mais lucros. Enquanto isso, os pacatos cidadãos do Terceiro Mundo vão pagando a factura do mercado com a fome que já foi declarada como crise global. Um facto curioso é que os países desenvolvidos e, inclusivamente os Governos dos países empobrecidos e pobres nada fazem ou pouco fazem para responder adequadamente ao problema. O Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, Os Estados Unidos da América, a Grã – Bretanha, as Nações Unidas, a Organização Mundial do Comércio e muitos Governos já tomaram consciência da gravidade do problema da escassez de alimentos no mundo e da consequente subida extravagante de preços de alimentos, mas nenhuma política ou programa foi proposto que ultrapasse os discursos repetitivos dos seus líderes. O importante a registar nesse cenário é que os países que mais sofreram com a crise da dívida dos anos 80 e que, portanto, foram beneficiários ou vítimas dos programas de ajustamento estrutural são os mais abalados pela crise alimentar mundial, traduzida em fome crónica global. Os programas de ajustamento estrutural: solução a curto prazo e problema a longo prazo? A crise alimentar global A geopolítica da fome de hoje (crise alimentar global) não é mais do que uma consequência dos programas de ajustamento estrutural. Recordemos que são objectivos genéricos do ajustamento estrutural os seguintes: viabilizar reformas institucionais e políticas da estrutura de uma economia para eliminar o défice da balança de pagamentos, travar a inflação e procurar a elevação do PIB. Os programas de ajustamento estrutural incluem medidas como: desvalorização da moeda, liberalização das importações, e dos preços no consumidor, taxa de juro positiva, privatização da banca e das empresas que não consigam sujeitar-se à racionalidade do sector privado, liberalização da legislação do trabalho, racionalização e diminuição das despesas de funcionamento do aparelho central do Estado, limitação do crédito em especial para sectores não exportadores e a particulares, intervenção do Estado no que respeita a infra-estruturas de apoio à exportação e investimento em capital humano. O aparecimento destes programas tem a sua origem na impossibilidade de os países com dívida externa pagarem essa dívida e necessitarem de mais empréstimos (ESF 2008 - Dicionário de Economia - http://www.esfgabinete.com/dicionario, 05. 05.08). Essas medidas abriram caminho para o triunfalismo do liberalismo económico em países visados, colocando o mercado na vanguarda da política e da sociedade e a economia impôs-se como, usando a expressão de Karl Max, “ superstrutura”. Como consequência, os Estados visados pelos programas de ajustamento estrutural viram o seu papel social e intervencionista reduzido –“Estado mínimo” – e suas acções começaram a depender de forças externas. O mais caricato nesse jogo económico é que os Estados terceiro – mundistas deixaram de intervir até na economia agrícola. As subvenções agrícolas foram proibidas e/ou consideras inimigas da liberalização económica e, portanto, ilegais, no quadro jurídico da Organização Mundial do Comércio (OMC). Como resultado, a produção agrícola baixou e foi lhe dada um papel secundário, privilegiando assim o sector industrial. Ao contrário do que aconteceu no terceiro mundo, o Primeiro Mundo (a União Europeia e os Estados Unidos são os exemplos mais gritantes) continuou e continua a subsidiar a agricultura. A União Europeia canaliza mais de US$ 50 biliões por ano para seus produtores, no contexto da chamada Política Agrícola Comum (PAC), quantia equivalente a 45% do orçamento da Comissão Europeia, o órgão executivo do bloco. A PAC garante um preço mínimo aos agricultores, impõe tarifas às importações e cotas para determinados alimentos, além de proporcionar um pagamento directo de subsídios para terra cultivada. Após um acordo assinado em 2005, esta política será paulatinamente eliminada até 2013. Mas, outros países industrializados, especialmente os Estados Unidos, também pagam substanciais subsídios aos seus agricultores e protegem seus mercados locais com tarifas sobre importações e cotas[2]. Como consequência, estes passaram a deter o monopólio do mercado agrícola, impondo arbitrariamente os preços. Com efeito, os países desenvolvidos assumiram o papel de exportadores de alimentos, principalmente cereais e ditadores de preços, enquanto que os subdesenvolvidos transformaram-se em grandes importadores dos mesmos e, logicamente, tomadores de preços. Os países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, em vários fóruns denunciariam esta hipocrisia agrícola, mas sem sucesso. Assim, a prática continua nas relações económicas internacionais contemporâneas. A crise alimentar global que assistimos hoje pode mergulhar profundamente as suas raízes nas políticas dos programas de ajustamento estrutural, que dispensaram ou desencorajaram a economia agrícola dos países subdesenvolvidos. Os Estados Unidos e a União Europeia vêm-se incapazes de continuarem a dominar o mercado agrícola mundial. Dois factores explicam esse fenómeno. Primeiro, a demanda de alimentos aumentou a nível global devido ao desmedido e rápido crescimento população no mundo. A população mundial não pára de crescer. O ritmo do crescimento demográfico acelerou-se no século XX: com 2 biliões no princípio do século XX, a população mundial atingiu 3 biliões em 1960, 4 biliões em 1975, 5 biliões em 1987, 6 biliões em 2000 e perspectiva-se o mundo terá 10 mil milhões de habitantes em 2050[3] . Segundo, a crise não apenas se cinge em regiões que até ao ano 2000 eram considerados corredores da fome (África, América Latina e a Ásia), como também já ameaça o próprio “Centro” da economia mundial (América do Norte e a Europa dos Vinte e Cinco). A esses factores se juntam outros igualmente associados ao rápido crescimento populacional e ao consequente aumento de consumo, tais como a subida galopante e imparável do petróleo e o aquecimento global que resulta no aumento de desastres naturais (secas e cheias cíclicas, ciclones. Como se pode depreender, os programas de ajustamento vistos como solução de curto prazo da crise da dívida dos países subdesenvolvidos nos anos oitenta degenerou uma crise alimentar global cuja solução será de longo prazo, se houver, nos mesmos países. A revolução verde, solução ou uma retórica contingencial? Face a crise alimentar mundial a comunidade internacional está “refugiar – se ” opcionalmente à Revolução Verde. A massificação da produção de cereais e a produção de bio- combustível é de facto boa opção, mas não parece ser uma medida correctiva do problema da crise alimentar. Recorde-se a Revolução Verde surgiu na longínqua década 70 no México, igualmente em consequência da crise alimentar. De facto a Revolução Verde “inundou” o mundo de cereais, mas não foi capaz de reduzir o custo de vida das populações. O gráfico da fome continuou a subir em flecha em muitos países, com destaque para os países de África. Porquê? O Mexico, e muitos outros países Latino Americanos têm uma estrutura Agrícola bem montada e funcional, baseada em latifúndios e plantações, fortemente mecanizada e suportada por grandes agricultores. Estes factores ditaram o sucesso desta política naquele lado do mundo. Na Ásia, outro caso de sucesso, encontramos uma estrutura económica completamente oposta a da América Latina, mas graças ao uso intensivo da mão – de – obra e a políticas promocionais (subsídios aos camponeses) conseguiram lograr resultados invejáveis. Este é o exemplo do Bangladesh, Camboja, China, Coreia do Sul, Filipinas, Índia, Indonésia, Japão, Malásia, Nepal, Paquistão, Sri Lanka e Tailândia e o Vietname. Em África o quadro é nebuloso. Fora do Zimbabwe e da África do Sul, países que conseguiram alguns sucessos de referência, os restantes não tiveram uma boa experiência. A África, no quadro dos programas/políticas de (re)ajustamento estrutural/reabilitação económica foi ‘’proibida” de subsidiar os camponeses aos agricultores. Em adição, muitos países africanos não possuíam e nem possuem uma estrutura agrícola favorável à implementação da Revolução Verde. A África pratica agricultura familiar, usando instrumentos tradicionais como a enxada, a foice, o machado, o ancinho, e alguns recorrem a tracção animal (casos muito raros). Estes factores tornaram poderão tornar a Revolução Verde mais retórica política e ideologia utópica, do que uma realidade. Repare-se por exemplo que a África do Sul e o Zimbabwe só tiveram um bom tento porque tinham uma boa estrutura agrícola, por sinal semelhante a da América Latina (agricultura Latifundiária). Por isso, o quadro acima descrito mostra que a Revolução verde não é solução para resolver a crise alimentar mundial. A revolução se apregoada e implementada de uma forma eufórica contribuirá para o encarecimento cada vez preocupante do custo de vida e, em países pobres como os africanos, aprofundará o endividamento, agravando os níveis de pobreza e da fome. A saída talvez fosse a redução dos custos de produção e das tecnologias e o cancelamento de todas dívidas e não concessão de mais créditos como defendem as instituições financeiras INTERNACIONAIS e os países industrializados. Para terminar, partilhamos a opinião de Peter Rosset[4] segundo a qual O único modelo com o potencial para acabar com a pobreza rural e para proteger o meio ambiente e a produtividade da terra para as futuras gerações é uma agricultura baseada na exploração de pequenas fazendas que sigam os princípios da Agroecologia” (….), [pois] “se a história da Revolução Verde nos ensina algo, é que o incremento da produção de alimentos pode, e frequentemente é assim, seguir de mãos dadas com o aumento da fome. Portanto devemos ser cépticos quando as “companhias químicobiotecnológicas nos dizem que a engenharia genética estimulará o rendimento das colheitas e alimentará os famintos. Tudo leva a pensar que a Revolução Verde II, do mesmo modo que a primeira, não acabará com a fome”.
[2] 2 Gody, Júlio, ALIMENTAÇÃO-EUROPA: Subsídios à agricultura fomentam escassez, posto em 29/04/2008( IPS) e tira do em 7 de Maio de 2008, in http://www.mwglobal.org/ipsbrasil.net/nota.php?idnews=3757. [3] Bihale, Domingos (2007), O Impacto da Globalização sobre os Estados e o Papel das Forças Armdas, Tese de Licenciatura em relações Internacionais e Diplomacia, ISRI, Maputo, p24. [4] Ph.D., Co-Director Food Firts/The Institute for Food and Development Policy, Califórnia, e co-autor do livro "World Hunger". Este artigo foi extraído do site da Envolverde, http://www.envolverde.com.br, dia 6 de Outubro de 2000.

O COMANDO DOS ESTADOS UNIDOS PARA ÁFRICA (AFRICOM): ACEITAR OU ACEITAR (1)

AFRICOM: conceito e objectivos O Comando dos Estados Unidos para Africa (AFRICOM) é um comando unificado de combate orientado para a defesa dos interesses norte-americanos em África, criado em 06 de Fevereiro de 2007, pelo Departamento de Defesa do Estados Unidos da América (EUA).
A criação do AFRICOM é o quociente entre a luta global contra o terrorismo e o reconhecimento, pelos Estados Unidos, da importância estratégica da África. O AFRICOM é uma translineação do Comando dos Estados Unidos para a Europa (EUCOM) e constitui o segundo comando regional. O AFRICOM visa responder as necessidades da política externa dos Estados Unidos e da sua segurança nacional, através da fortificação da sua presença militar em África, sob rótulo das cooperação militar. Para o efeito, e diferentemente do EUCOM, o AFRICOM estenderá as suas acções para as esferas da diplomacia e desenvolvimento económico – social, reflectindo “uma estrutura muito mais integrada do pessoal, que inclui uma significativa representação do pessoal de gestão e pelo Departamento de Estado, Agência dos Estados Unidos de Desenvolvimento Internacional (USAID, sigla em inglês), e outras agências governamentais dos Estados Unidos envolvidas em África. O comando também irá procurar parceiros para incorporar as nações e organizações humanitárias, de África e noutras regiões, a trabalhar em cooperação com os Estados Unidos, desde que tenham os mesmos interesses”[i].
O AFRICOM junto com outras Agências governamentais norte-americanas e os parceiros internacionais vão conduzir uma segurança efectiva através de programas militares stritus sensu, actividades militares, e outras operações militares com vista a promover um ambiente africano seguro em apoio à política externa dos Estados Unidos[ii]. AFRICOM versus a Importância Estratégica e Desafios de África O AFRICOM foi criado porque a África é considerada estrategicamente importante. As cimeiras entre África com a China, União Europeia e Japão são um indicativo de que as relações económicas internacionais contemporâneas e a nova agenda da segurança global dependem do envolvimento do continente africano. As riquezas naturais, quer minerais e energéticos, quer agro – florestais (ouro, diamantes, urânio, carvão, petróleo, madeiras, terras aráveis, etc), condensam os interesses das potências mundiais por África.
Tal como no passado, o continente africano continua um chamariz de uma “ corrida para África” e, ao mesmo tempo, torna-se um palco de disputas. Daí que as potências mundiais procuram remodelar as suas políticas externas, de modo a tirar melhor proveito das riquezas do continente.
Os Estados Unidos de América têm muitos interesses em África que incluem a necessidade de combater o terrorismo, contrabalançar a crescente influência da China, garantir o acesso aos recursos naturais que muito jazem sobre o continente e garantir a segurança energética. Estima-se que 18% das importações de petróleo para os EUA provém da África Subsahariana e que subirá para 25% em 2015[iii]. Além disso, os Estados Unidos pretendem controlar o Corno África, a principal passagem marítima para o Médio Oriente.
Não obstante essa importância, o continente africano enfrenta desafios complexos tais como: conflitos armados internos, crises humanitárias, crime transnacional, tráfico de drogas, pobreza extrema e a HIV/SIDA. Assim, os interesses dos Estados Unidos em África podem ser melhor satisfeitos com a resolução de grande parte destes problemas. Conscientes deste problema, os EUA incluem, no programa de AFRICOM, outras agências governamentais com vista a adoptar uma abordagem abrangente dos problemas de África, ao mesmo tempo que perseguem os seus próprios interesses militares. AFRICOM: Para além do discurso
“A actual globalização dos múltiplos aspectos relacionados com a segurança e com a defesa mundial tem contribuído para uma maior intervenção global em torno das questões relacionadas com a prevenção e resolução dos conflitos regionais. Referimo-nos principalmente à vertente dos conflitos intraestatais, pois estes, por razões de natureza económica e geoestratégicas conjunturais conhecidas, passaram a centrar a atenção de toda a comunidade internacional, preocupando consequentemente, Estados, Organizações e contribuindo para um maior envolvimento multinacional nestas problemáticas”[iv]. O AFRICOM é um veículo de política externa dos Estados Unidos a nível global. O discurso dos comandantes dos AFRICOM é o de que este representa um comprometimento americano mais sério para com África e com os Africanos, no intuito de contribuir para melhoria do desenvolvimento sustentado e principalmente dos níveis de segurança regional em África. Em adição, existe por outro lado o entendimento de que este esforço materializa-se especialmente na vertente militar, por um combate à proliferação das redes terrorista, pelo apoio à prevenção dos conflitos regionais, pela contribuição para um ambiente mais seguro, especialmente vocacionado para o apoio à edificação das “African Standby Forces” e do reforço da Arquitectura Africana da Paz e Segurança (AAPS)[v]. Mas a meta do AFRICOM é cobrir o continente africano com a presença militar dos Estados Unidos[vi]. O AFRICOM propõe-se a promover a cooperação para a segurança em colaboração com as Agências Americanas, tais como a USAID; apoiar à estabilização, transição e reconstrução; apoiar a edificação de capacidades; contribuir para Reforma do Sector da Segurança e da Defesa; apoiar a profissionalização militar; garantir o apoio médico essencialmente no combate ao HIV-SIDA; desenvolver actividades de assistência humanitária; reforçar as comunicações estratégicas e as operações de informação e ainda garantir o apoio a actividades no âmbito da cooperação técnico – militar. Estas actividades, evidentemente benéficas para o continente africano, podem não passar de um militarismo camuflado em uma diplomacia de ajuda. Não existe certeza de que estas intenções não desembocarão em uma política externa militarizada dos Estados Unidos.
Como posicionar-se? Considerações finais
Os países africanos apenas têm duas opções: ou aceitarem e receberem múltiplas ajudas da a superpotência mundial, ou negar e verem e enfrentarem enormes dificuldades económico-financeiras. A verdade é que depois do AFRICOM, nenhuma ajuda ou assistência será concedida sem a componente “africomizada”.
Os fundamentos da aceitação ou não do AFRICOM assentam na questão da soberania, independência e depende muitas vezes do posicionamento dos Blocos Regionais onde os países se inserem. Mas, parafraseando o antigo líder popular do Congo-Brazzaville, Marien Ng’ouabi, não haverá independência política nem soberania nacional se não houver independência e soberania económicas. Deste preceito acredita-se que os países africanos têm único caminho racional: aceitar o AFRICOM e negociar as modalidades da assistência de modo a maximizar as oportunidades que este comando oferece, não apenas em termos militares, geopolíticos e geoestratégicos, mas também na componente económico-financeira. Referências
[1] Este artigo é opinião do seu autor e não reflecte a posição oficial da Direcção Nacional de Política de Defesa, nem do Ministério da Defesa Nacional. [i] www.africom.mil. [ii] Ward, Kip ( General - Commanding). United States Africa Command: Partnership, security stability. AFRICOM Presentation ( Unclassified). [iii] Sean McFate (2008). La Comando de África norteamericano: ¿Un nuevo paradigma estratégico?, Military Review . Marzo-Abril 2008. [iv] Bernardino, Luís Brás (2008). A Importância Geoestratégica do AFRICOM para os EUA em África.in Jornal Defesa e Relações Internacionais. Disponível em http://www.jornaldefesa.com.pt/conteudos/view_txt.asp?id=563. Acesso em 12 de Novembro de 2008 . [v] ibidem [vi] Berschinski Robert G. (2007). AFRICOM’S DILEMMA: THE “GLOBAL WAR ON TERRORISM,” “CAPACITY BUILDING,” HUMANITARIANISM, AND THE FUTURE OF U.S. SECURITY POLICY IN AFRICA. November, p. 4.