terça-feira, 9 de junho de 2009

DA GEOPOLÍTICA DA DÍVIDA À GEOPOLÍTICA DA FOME:

Introdução Os programas de ajustamento estrutural foram vistos como uma forma de resolver a crise da dívida que assolou o Terceiro Mundo nos anos 80. De 1980 até aos nossos dias, os programas de ajustamento estrutural continuam a vigorar, tomando sempre novas realidades para se adaptarem a mudanças de varia ordem que se vão operando no sistema internacional. Aparentemente definidos para promover o crescimento económico, os programas de ajustamento estrutural não serviram mais do que veículos para a implantação, a nível global, do neo-liberalismo económico e galvanização do sistema capitalista, num mundo em confrontação entre o Ocidente e Leste, na esteira da Guerra Fria. Efectivamente, o capitalismo “triunfou” (usando a expressão de Francis Fukuyama) e o comunismo sucumbiu. Um outro objectivo de fundo que ultrapassa o objectivo virtual de expor o mundo subdesenvolvido nas telas do desenvolvimento económico, foi o de amarrar o Terceiro Mundo à economia do mercado, perpetuando-o sempre como maior destino dos produtos manufacturados e como fornecedor de matérias-primas necessárias para o endinheiramento dos seus profetas. – os países do Primeiro Mundo. Primeiro a dívida, segundo a fome Se da crise da dívida surgiram os programas de ajustamento estrutural, da fome não há nenhum programa integrado que vise aniquilá-la. Isto acontece porque se está perante um problema que pouco interessa aos mentores dos programas de ajustamento estrutural. Na década 80 tratava-se de recuperar, a todo o custo, os investimentos e empréstimos feitos ou concedidos aos países subdesenvolvidos. Hoje, não se trata de recuperar os empréstimos, mas de escassear cada vez mais os alimentos, com vista a abrir mais mercados e lograr mais lucros. Enquanto isso, os pacatos cidadãos do Terceiro Mundo vão pagando a factura do mercado com a fome que já foi declarada como crise global. Um facto curioso é que os países desenvolvidos e, inclusivamente os Governos dos países empobrecidos e pobres nada fazem ou pouco fazem para responder adequadamente ao problema. O Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, Os Estados Unidos da América, a Grã – Bretanha, as Nações Unidas, a Organização Mundial do Comércio e muitos Governos já tomaram consciência da gravidade do problema da escassez de alimentos no mundo e da consequente subida extravagante de preços de alimentos, mas nenhuma política ou programa foi proposto que ultrapasse os discursos repetitivos dos seus líderes. O importante a registar nesse cenário é que os países que mais sofreram com a crise da dívida dos anos 80 e que, portanto, foram beneficiários ou vítimas dos programas de ajustamento estrutural são os mais abalados pela crise alimentar mundial, traduzida em fome crónica global. Os programas de ajustamento estrutural: solução a curto prazo e problema a longo prazo? A crise alimentar global A geopolítica da fome de hoje (crise alimentar global) não é mais do que uma consequência dos programas de ajustamento estrutural. Recordemos que são objectivos genéricos do ajustamento estrutural os seguintes: viabilizar reformas institucionais e políticas da estrutura de uma economia para eliminar o défice da balança de pagamentos, travar a inflação e procurar a elevação do PIB. Os programas de ajustamento estrutural incluem medidas como: desvalorização da moeda, liberalização das importações, e dos preços no consumidor, taxa de juro positiva, privatização da banca e das empresas que não consigam sujeitar-se à racionalidade do sector privado, liberalização da legislação do trabalho, racionalização e diminuição das despesas de funcionamento do aparelho central do Estado, limitação do crédito em especial para sectores não exportadores e a particulares, intervenção do Estado no que respeita a infra-estruturas de apoio à exportação e investimento em capital humano. O aparecimento destes programas tem a sua origem na impossibilidade de os países com dívida externa pagarem essa dívida e necessitarem de mais empréstimos (ESF 2008 - Dicionário de Economia - http://www.esfgabinete.com/dicionario, 05. 05.08). Essas medidas abriram caminho para o triunfalismo do liberalismo económico em países visados, colocando o mercado na vanguarda da política e da sociedade e a economia impôs-se como, usando a expressão de Karl Max, “ superstrutura”. Como consequência, os Estados visados pelos programas de ajustamento estrutural viram o seu papel social e intervencionista reduzido –“Estado mínimo” – e suas acções começaram a depender de forças externas. O mais caricato nesse jogo económico é que os Estados terceiro – mundistas deixaram de intervir até na economia agrícola. As subvenções agrícolas foram proibidas e/ou consideras inimigas da liberalização económica e, portanto, ilegais, no quadro jurídico da Organização Mundial do Comércio (OMC). Como resultado, a produção agrícola baixou e foi lhe dada um papel secundário, privilegiando assim o sector industrial. Ao contrário do que aconteceu no terceiro mundo, o Primeiro Mundo (a União Europeia e os Estados Unidos são os exemplos mais gritantes) continuou e continua a subsidiar a agricultura. A União Europeia canaliza mais de US$ 50 biliões por ano para seus produtores, no contexto da chamada Política Agrícola Comum (PAC), quantia equivalente a 45% do orçamento da Comissão Europeia, o órgão executivo do bloco. A PAC garante um preço mínimo aos agricultores, impõe tarifas às importações e cotas para determinados alimentos, além de proporcionar um pagamento directo de subsídios para terra cultivada. Após um acordo assinado em 2005, esta política será paulatinamente eliminada até 2013. Mas, outros países industrializados, especialmente os Estados Unidos, também pagam substanciais subsídios aos seus agricultores e protegem seus mercados locais com tarifas sobre importações e cotas[2]. Como consequência, estes passaram a deter o monopólio do mercado agrícola, impondo arbitrariamente os preços. Com efeito, os países desenvolvidos assumiram o papel de exportadores de alimentos, principalmente cereais e ditadores de preços, enquanto que os subdesenvolvidos transformaram-se em grandes importadores dos mesmos e, logicamente, tomadores de preços. Os países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, em vários fóruns denunciariam esta hipocrisia agrícola, mas sem sucesso. Assim, a prática continua nas relações económicas internacionais contemporâneas. A crise alimentar global que assistimos hoje pode mergulhar profundamente as suas raízes nas políticas dos programas de ajustamento estrutural, que dispensaram ou desencorajaram a economia agrícola dos países subdesenvolvidos. Os Estados Unidos e a União Europeia vêm-se incapazes de continuarem a dominar o mercado agrícola mundial. Dois factores explicam esse fenómeno. Primeiro, a demanda de alimentos aumentou a nível global devido ao desmedido e rápido crescimento população no mundo. A população mundial não pára de crescer. O ritmo do crescimento demográfico acelerou-se no século XX: com 2 biliões no princípio do século XX, a população mundial atingiu 3 biliões em 1960, 4 biliões em 1975, 5 biliões em 1987, 6 biliões em 2000 e perspectiva-se o mundo terá 10 mil milhões de habitantes em 2050[3] . Segundo, a crise não apenas se cinge em regiões que até ao ano 2000 eram considerados corredores da fome (África, América Latina e a Ásia), como também já ameaça o próprio “Centro” da economia mundial (América do Norte e a Europa dos Vinte e Cinco). A esses factores se juntam outros igualmente associados ao rápido crescimento populacional e ao consequente aumento de consumo, tais como a subida galopante e imparável do petróleo e o aquecimento global que resulta no aumento de desastres naturais (secas e cheias cíclicas, ciclones. Como se pode depreender, os programas de ajustamento vistos como solução de curto prazo da crise da dívida dos países subdesenvolvidos nos anos oitenta degenerou uma crise alimentar global cuja solução será de longo prazo, se houver, nos mesmos países. A revolução verde, solução ou uma retórica contingencial? Face a crise alimentar mundial a comunidade internacional está “refugiar – se ” opcionalmente à Revolução Verde. A massificação da produção de cereais e a produção de bio- combustível é de facto boa opção, mas não parece ser uma medida correctiva do problema da crise alimentar. Recorde-se a Revolução Verde surgiu na longínqua década 70 no México, igualmente em consequência da crise alimentar. De facto a Revolução Verde “inundou” o mundo de cereais, mas não foi capaz de reduzir o custo de vida das populações. O gráfico da fome continuou a subir em flecha em muitos países, com destaque para os países de África. Porquê? O Mexico, e muitos outros países Latino Americanos têm uma estrutura Agrícola bem montada e funcional, baseada em latifúndios e plantações, fortemente mecanizada e suportada por grandes agricultores. Estes factores ditaram o sucesso desta política naquele lado do mundo. Na Ásia, outro caso de sucesso, encontramos uma estrutura económica completamente oposta a da América Latina, mas graças ao uso intensivo da mão – de – obra e a políticas promocionais (subsídios aos camponeses) conseguiram lograr resultados invejáveis. Este é o exemplo do Bangladesh, Camboja, China, Coreia do Sul, Filipinas, Índia, Indonésia, Japão, Malásia, Nepal, Paquistão, Sri Lanka e Tailândia e o Vietname. Em África o quadro é nebuloso. Fora do Zimbabwe e da África do Sul, países que conseguiram alguns sucessos de referência, os restantes não tiveram uma boa experiência. A África, no quadro dos programas/políticas de (re)ajustamento estrutural/reabilitação económica foi ‘’proibida” de subsidiar os camponeses aos agricultores. Em adição, muitos países africanos não possuíam e nem possuem uma estrutura agrícola favorável à implementação da Revolução Verde. A África pratica agricultura familiar, usando instrumentos tradicionais como a enxada, a foice, o machado, o ancinho, e alguns recorrem a tracção animal (casos muito raros). Estes factores tornaram poderão tornar a Revolução Verde mais retórica política e ideologia utópica, do que uma realidade. Repare-se por exemplo que a África do Sul e o Zimbabwe só tiveram um bom tento porque tinham uma boa estrutura agrícola, por sinal semelhante a da América Latina (agricultura Latifundiária). Por isso, o quadro acima descrito mostra que a Revolução verde não é solução para resolver a crise alimentar mundial. A revolução se apregoada e implementada de uma forma eufórica contribuirá para o encarecimento cada vez preocupante do custo de vida e, em países pobres como os africanos, aprofundará o endividamento, agravando os níveis de pobreza e da fome. A saída talvez fosse a redução dos custos de produção e das tecnologias e o cancelamento de todas dívidas e não concessão de mais créditos como defendem as instituições financeiras INTERNACIONAIS e os países industrializados. Para terminar, partilhamos a opinião de Peter Rosset[4] segundo a qual O único modelo com o potencial para acabar com a pobreza rural e para proteger o meio ambiente e a produtividade da terra para as futuras gerações é uma agricultura baseada na exploração de pequenas fazendas que sigam os princípios da Agroecologia” (….), [pois] “se a história da Revolução Verde nos ensina algo, é que o incremento da produção de alimentos pode, e frequentemente é assim, seguir de mãos dadas com o aumento da fome. Portanto devemos ser cépticos quando as “companhias químicobiotecnológicas nos dizem que a engenharia genética estimulará o rendimento das colheitas e alimentará os famintos. Tudo leva a pensar que a Revolução Verde II, do mesmo modo que a primeira, não acabará com a fome”.
[2] 2 Gody, Júlio, ALIMENTAÇÃO-EUROPA: Subsídios à agricultura fomentam escassez, posto em 29/04/2008( IPS) e tira do em 7 de Maio de 2008, in http://www.mwglobal.org/ipsbrasil.net/nota.php?idnews=3757. [3] Bihale, Domingos (2007), O Impacto da Globalização sobre os Estados e o Papel das Forças Armdas, Tese de Licenciatura em relações Internacionais e Diplomacia, ISRI, Maputo, p24. [4] Ph.D., Co-Director Food Firts/The Institute for Food and Development Policy, Califórnia, e co-autor do livro "World Hunger". Este artigo foi extraído do site da Envolverde, http://www.envolverde.com.br, dia 6 de Outubro de 2000.

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