quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Ecos do Monte Domwe: Moçambique Mudou?

“ (…) é consenso nacional, partilhado pela comunidade internacional, que Moçambique mudou”. Armando Guebuza, in Jornal Notícias.
Escrevo do cume do ponto mais alto da Província de Tete - Monte Domwe. Tenho comigo um caderno e pedaço de Jornal notícias. Na página frontal confronto-me com o seguinte título: “Moçambique mudou - Armando Guebuza, no encerramento da sessão do CC da Frelimo, que considera que tal se deve ao cumprimento das promessas feitas em 2004”.
Ai, sem hesitação, vasculhei a minha mente, olhei para os arredores. Felizmente, daqui do cume de Domwe vejo longe. Vejo as pessoas, as povoações, as artérias, os caminhos, machambas, as infra-estruturas sociais…de todos distritos da província que me pariu e do distrito – meu berço. Vejo todas as acções governamentais do Zumbo a Mutarara, de Angónia a Changara. Mas porque não posso me deter em tudo, concentro-me nesse planalto mais elevado do país – o Planalto de Angónia - dividido em Angónia, Tsangano e Macanga. Assim repenso na afirmação do Camarada Presidente nos seguintes temormos:
Moçambique mudou;
Angónia, Tsangano e Macanga, são distritos de Tete, uma das províncias de Moçambique,
Angónia, Tsangano e Macanga mudaram.

Diz-se que é consenso nacional e internacional que Moçambique mudou, porque alocou-se aos 128 distritos do país do Fundo de Investimento de Iniciativas Locais, (sete milhões de meticais), aumentou-se a produção e a produtividade agrárias e introduziu-se culturas onde antes não eram praticadas ou há muito que tinham sido abandonadas, reformou-se o sector público e expandiu-se as redes escolar, sanitária e de abastecimento de água. Por outro lado, a construção de mais estradas, pontes, ferrovias, redes de telefonia fixa e móvel, a extensão de energia eléctrica a mais distritos e bairros suburbanos, a expansão do Ensino Técnico e a implantação de instituições de Ensino Superior em todo o país reforçam o leque das realizações apontadas pelo Chefe de Estado.
Pela lógica acima formulada, é igualmente consenso nacional e internacional que Angónia, Tsangano e Macanga mudaram. Será? Daqui do monte vejo que efectivamente alocou-se os sete milhões aos habitantes do Belo Planalto, mas apenas os membros dos Conselhos Consultivos, seus familiares e amigos é que receberam, não se descurando dos membros do nosso glorioso partido. Portanto, é consenso nacional e internacional que Moçambique mudou. Não é consenso nacional que os distritos mudaram. Daqui do monte Domwe testemunha-se que mudou o esquema de distribuição de fundos entre os que sempre tiveram acesso aos recursos. Assim grito e o Domwe faz eco: os sete milhões não estão a combater a pobreza! Perpetuam as desigualdades, a corrupção e o burocratismo no Planalto de Angónia!
Novas culturas efectivamente foram introduzidas. Vejo tabaco, gergelim, paprika… São factos. Vejo igualmente a corrida desenfreada a Tsangano para massificar a produção de trigo. Porém, não vejo acções de reflorestamento para compensar a destruição indiscriminada de árvores em consequência do fomento de cultivo de tais culturas. Os socalcos do Domwe estão nus. A nudez vegetal cobre igualmente Ntakasa, Mwezi, Ng’andu, Dzenza – Manyenyezi, Chidzolomondo, Kauziuzi -Água-Boa…Por isso, não creio ser consenso nacional e internacional que neste aspecto Moçambique mudou, Angónia, Tsangano e Macanga não mudaram.
Grito de viva voz e em bom som, com o Domwe a fazer eco, que a rede escolar se expandiu. Até lá em Mtengo-Wa- Mbalame tem uma escola secundária. Chidzolomondo vai ter uma escola secundária, a sede de Tsangano tem uma escola secundária… Mas, fico rouco e nem Domwe me ouve quanto a expansão das redes sanitária e de abastecimento de água. Vejo as mamãs e as meninas a sairem dos poços tradicionais com baldes de água. Aqueles furos convencionais de águas que a Cruz Vermelha, a Água Rural e a Federacao Luterana construíram na longínqua década 90 estão todos inoperacionais. Não vejo novos Centros de Saúde. Nesse aspecto Angónia, Tsangano e Macanga não mudaram.
Concordo com a expansão de energia eléctrica. A linha passa até da minha machamba lá para as bandas de Mthini. Macanga, Domwe, Vila Ulongwe, Fonte – Boa, Mtengo-wa-Mbalame e Tnsangano -Sede estão iluminados. Neste aspecto “Cahora Bassa é Nossa!”. Mas ao longo da linha (estradas que ligam Macanga, passando de Domwe à Ulongwe, e de Ulongwe passando de Fonte –Boa, Mtengo wa Mbalame , Tsangano Sede, até Mphulu e de Mtengo wa Mbalame a Biriwiri, estão todas esburacadas. Não há meios de transporte de bens e pessoas por causa disso. As tais culturas acima mencionadas que as vejo daqui do Monte Domwe, estão a deteriorar-se por falta de escoamento. Nem aquelas bicicletas conseguem dominar a fúria dos buracos. Pavimentar tais estradas é mudar Moçambique, é desenvolver o Planalto de Angónia.
Expansão do ensino técnico e superior? Se se expandiu só lá entram os que conseguem pagar, mais de 80% provenientes de famílias das mesmas pessoas que produzem relatório de consenso nacional e internacional sobre a mudança de Moçambique e, logicamente, falam da mudança do Planalto de Angónia. Daqui do Monte contemplo a Universidade do Zambeze, lá na Escola Secundária de Ulóngue e o Instituto Superior Cristão (HEFSIBA). Contemplo igualmente o Instituto de Formação de Professores de Angónia. Poucos são processos limpos. Muitos de seus estudantes entram por cunho dos seus progenitores, familiares e amigos. Isso piora com a política de Unidade Nacional na formação de professores primários. Dai, que grito e o Domwe faz eco: Angoni ali pa diwa la katangale (os Ngoni estão na armadilha da corrupção). Por isso, o Planalto não mudou.
No capítulo sobre auto-estima não vejo. A nossa economia cá no Planalto depende dos nossos irmãos Ngoni do Malawi. A moeda que nos serve é Kwacha. É lá onde temos lojas, moagens, insumos agrícolas, silos agrícolas, sem falarmos da cultura. O hino, as danças, a musica, a gastronomia ultrapassam estas fronteiras menos claras que o colono forçosamente nos herdou.
Teremos auto-estima quando tivermos todos problemas acima mencionados completamente resolvidos. Entendemos que auto estima vem do desenvolvimento e não o contrário, e nem deve vir em forma de rajada política do quadrante sul e norte, vermelho e amarelo, nem do canto do galo ou cacarejar da perdiz, para às nossas mentes.
Agora que devo descer daqui do cume do Monte-Domwe, por temer que me façam descer de outras formas apropriadas para silenciar a verdade, lanço o último grito e o Domwe faz eco:
Angónia, Tsangano e Macanga não mudaram;
Angónia, Tsangano e Macanga, são distritos de Tete, uma das províncias de Moçambique, logo;
Moçambique não mudou!

6 comentários:

Egidio Vaz disse...

Abraços. Bom te ver por aqui. Força. Voltarei mais vezes
Egídio

Mzimu wa Akayinga disse...

Obrigado Egidio. Avante.

Anónimo disse...

Como natural da Angónia, foi com muito interesse que li este manifesto.

Gostei de saber que há angonis que rompem o silêncio daquela gente boa, na defesa dos seus interesses.

Isabel Antunes

Mzimu wa Akayinga disse...

Isabel,e o povo inspira e os angoni tem a vantagem de nao se ajoelharem perante falacias...Eu sou apenas seguidor deles. Obrigado pela visita.

Anónimo disse...

Domingos,

Gostei que me tivesse recordado o orgulho e a força, do povo da minha terra!

Obrigada.
Isabel

Unknown disse...

Oi, Domingos!

Gostei imenso do teu texto. E da tua coragem! E fiquei contente de ter contribuído, ainda que pouco, como teu professor da 10ª, para a tua bela escrita e inspiradora visão do mundo... Continua firme!

Mário Almeida
(já agora, a Isabel Antunes é minha prima)