terça-feira, 22 de setembro de 2009

Do Planalto

Vi uma multidão com bandeiras e panfletos nas passeatas do Planalto. Cantavam e dançavam os nossos cânticos tradicionais que suavemente e agradavelmente flúem os ouvidos de bom gosto. Estavam entre eles crianças, jovens, adultos e idosos. A maioria deles estava descalça, vestida de farrapos e os seus olhos emitiam um cansaço enorme. Tinham andado distâncias e distâncias a pé sem descanso. As suas vísceras estavam em processo ininterrupto de dilaceração movida pela fome incauta. Aquele povo era tão magrinho, tão magrinho, que parecia padecente de pneumonia aguda ou se parecia com as vacas magras no Corno de África. Vinham de aldeias longínquas para a vila onde o candidato presidencial daria o seu comício.
Deparei-me de seguida com um aparato do dito cujo candidato. Desceu de um dos seus tantos objectos voadores. Dos restantes discos voadores que se pareciam com helicópteros, desceram seus acompanhantes. Aquela comitiva do “presidenciável” contrastava-se abruptamente com a manada de pessoas que tinham estado ali no campo distrital há muitas horas. Eram saudavelmente gordos, com a pele macia, vestidos de camisolas da campanha eleitoral de primeira qualidade. Bebiam água mineral e estavam sentados na tribuna…claro na sombra.

Horas depois começou o candidato presidencial a lançar o seu viva viva e a população ia respondendo em uníssono. Percebia-se que a população procurava captar o que ele dizia, pois, embora não falasse a língua bela do Planalto, o interprete tudo fazia para lhe ser fiel. Ai começou ele a explanar ao pacato povo:

- Eu sou o melhor dentre os melhores. Vendi a minha juventude para salvar a pátria do jugo colonial. Fui eu quem vos dá a energia daquela barragem que agora é vossa. Construí escolas, hospitais, estradas e pontes. A comida que têm nos vossos celeiros eu é que trouxe. Eu sou quem mereço o vosso voto, a vossa confiança. Lá ia o candidato vendendo o seu peixe àquela multidão que vive de feijão e milho ou no mínimo folhas de abóbora secas, complementados com frutas silvestres.

Após a explanação do “presidenciavel” repetente, as faces dos meus compatriotas mergulharam-se em banho de lágrimas. O povo que acreditava que ia lá ouvir daquele candidato promessas bem luxuosas, saiu de lá desiludido. Do princípio até ao fim do comício, sou recebeu relatório que já tinha recebido há bem pouco tempo quando o ora candidato tinha passado por lá na qualidade de Pulezidenti.

Ao contrário do que o indubitável vencedor disse, o povo do Planalto esperava ouvir, por exemplo, que “irei asfaltar a estrada que liga Vila Ulònguè à Tsangano passando por mtengo wa Mbalame e de Mtengo wa Mbalame ao Posto Fronteiriço de Biriwiri. Vou igualmente asfaltar a estrada que liga Vila Ulónguè à Furancungo, em Macanga. Vou construir hospitais rurais em Furancungo e Tsangano...” Porém para decepção do povo do Planalto, aquele recolheu a sua comitiva, meteram-se nos helicópteros com bandeira sulafricana e se foram. Acredito que apenas voltará para lá em 2014 para ir pedir ou carimbo para o banquete da ponta vermelha.

Quanto ao povo, continuará daquela mesma forma até que um dia tome consciência de que o seu voto vale mais que simples show off de helicópteros sulafricanos e uma camisola de última qualidade, ostentando a cara do “presidenciável”. Até 2014 Sr. Candidato. Conte sempre connosco, pois somos analfabetos e, porquanto, temos a consciência de que para nós basta exibir helicópteros, o voto está garantido. Isso mesmo, temos consciência de que vamos continuar a percorrer distâncias e distâncias a pé enquanto as estradas acima mencionadas não constarem na vossa agenda de governação.

7 comentários:

Anónimo disse...

Cá estás meu caro Domingos... a voz do povo, aquele que nao aceita se acobardar e vender-se por 50 moedas de prata como o fez Judas Iscariotes. Deveriam existir mais Domingos Bihales, Azagaias, Machados da Graca, David Alonis, etc... gente mocambicana genuína que é povo e fala como conhecimento de causa sobre o que o povo sente (os 70% de mocambicanos que vivem abaixo da linha da pobreza absoluta) e nao se deixa enganar por um "bem-estar" momentaneo a custa da miséria de outros compatriotas! Lutemos contra a cobardia de nossos dirigentes e procuremos algo melhor, comecando por erradicar o "analfabetismo" que é a causa raíz de todos os males e por isso esses tais "libertadores da pátria" que se tornaram novos colonizadores, ou seja, mudamos de cor do colono de white para black, mas continuamos perdidos! Porque nao se faz uma avaliacao económica do custo de libertar a pátria, trocar o heroísmo em moedas para que o país pague aos "antigos combatentes" em uma prestacao única e que termine a "cleptocracia institucionalizada" que criaram e que com pessoas de boa vontade, se inicie a construcao de um país novo, soberano, prospero e unido...

Aquele abraco e conte comigo

Feliciano Augusto

Mzimu wa Akayinga disse...

Meu caro Feliciano. Estamos em constante luta pelo bem estar. Se as mudancas profundas neste pais nasceram do cano da nossa AKM timbrada na nossa bandeira nos ultimos 45 anos, as mudancas recentes ocorreram com revolucoes pacificas fundamentadas no livro igualmente timbrado na nossa bandeira. Para isso temos que escrever, para escrever temos que ler e estarmos informados; para ler e informarmos temos que estudar. Como disseste doutra vez, temos que combater o analfabetismo.

Ca volto dentro em breve.

Anónimo disse...

Ilustre tudo bem? Eu estou.

Olha se eu fosse jornalista iria escrever assim: La do Planalto, Mais uma vez, O Agorista Bihale volta a ribalta com um Morteiro 80 e atinge o alvo.

Ilustre, peco autorizacao para que daqui a diante eu use as tuas palavras "Se as mudancas profundas neste pais nasceram do cano da nossa AKM timbrada na nossa bandeira nos ultimos 45 anos, as mudancas recentes ocorreram com revolucoes pacificas fundamentadas no livro igualmente timbrado na nossa bandeira.

Abraco

Mzimu wa Akayinga disse...

viva, viva, viva.

Rafael Camara disse...

"Camarada" Domingos, empunha bem forte a tua lanca do planalto e nao vacile. Va em frente. Quando estiver perto dum pequeno arbusto toma posicao. Arranque em rapidas velocidades. O pobre inimigo pode estar bem perto de ti, camuflado de galo-batuque-perdiz. Ocios de oficio, nao é...
Forte abraco!

Mzimu wa Akayinga disse...

Nao havera nenhuma arma mais poderosa que a furia de um povo revoltado. E a revolta e mais violenta quando motivada pela fome e injusticas sociais. Cada um de nos deve assumir-se com um guerreiro. Cada um na sua posicao, com canos virados virados para o inimigo comum: a violencia estrura. O Manifesto nao e mais nem menos do uma poesia de combate. Amo a Patria. Presto honras a minha bandeira, mas odeio o silencio motivado pelo medo. Com personalidades com Rafael e, podemos mudar Mocambique em apenas um dia.
Obrigado e ca estarei sempre que necessario.

Abraco

Anónimo disse...

Domingos,

É sempre, com muita emoção que leio o seu MANIFESTO, porque me fala da minha Angónia que amo e do seu povo.

Um abraço,

Isabel Antunes