Introdução
Caiu o pano do enigma sobre o sucessor de George W. Bush, o presidente dos Estados Unidos da América (EUA), e para a “felicidade”? dos americanos e do mundo, ganhou o Candidato mais preferido – Barack Hussein Obama.
A satisfação de uns tem a ver com a esperança de que Obama traz uma mensagem de mudança e esperança – tal é o caso dos americanos; para outros, os africanos, parece que a simpatia pelo Obama prende-se com o facto de ele ser um negro afro-americano, de um pai queniano e uma mãe americana.
Os europeus vêm em Obama uma figura receptiva e portanto um parceiro certo de cooperação para resolver os problemas do mundo, sobretudo a crise financeira internacional e o problema do aquecimento global no âmbito do Protocolo de Kyoto, bem como as relações comerciais no quadro da Organização Mundial do Comércio.
Os asiáticos, as razões podem ser divergentes: a China, o Japão, a Índia e os Tigres Asiáticos podem manifestar pelas mesmas razões que a Europa, o Afeganistão não espera muitas mudanças, senão a deterioração da sua situação político-militar; o Paquistão pode perder um parceiro estratégico muito fundamental na fortificação da sua política externa, reservando-se ao direito de um parceiro normal na luta contra o terrorismo internacional e contra os talibans. Por sua vez no Médio Oriente a situação é muito complicada. O Iraque espera livrar-se dos soldados norte-americanos do seu solo, mas nem todos os americanos estão interessados em fazê-lo pelas implicações que isso pode trazer à oferta de combustíveis à economia da superpotência e pela estabilidade política do próprio Iraque; a Palestina e o Israel vão repetir a História: negociações atrás de negociações para resolver o conflito bíblico, cujo fim só o Deus de Abraão, de Isaac, de Salomão, de David poderá resolver, e não um Obama do “amaldiçoado sangue africano” e da “cor do pecado”. De resto, vamos reflectir sobre o que virá a ser a política externa da Administração Obama nos próximos quatro anos.
Política externa: conceito, instrumentos e factores
A política externa pode ser entendido como um conjunto de objectivos políticos de um estado para outro estado, ou seja objectivos políticos que um determinado Estado pretende alcançar nas suas relações com os demais países do mundo.
Normalmente a política externa procura proteger os interesses nacionais de um país, em especial sua segurança nacional, prosperidade económica e valores e prestígio. A consecução de tais objectivos pode ser obtida por meios pacíficos (cooperação internacional) ou violentos (agressão, guerra, exploração) e como regra a política externa é definida pelo Chefe de Estado/Governo, com o auxílio do ministro de negócios estrangeiros e supervisionado, em alguns casos, pelo poder legislativo (Parlamento)[i].
Desta forma, vamos analisar/perspectivar o conjunto de objectivos políticos que a futura Administração Obama perseguirá na arena externa, com vista a proteger os interesses nacionais dos Estados Unidos, em especial sua segurança nacional, sua prosperidade económica e valores (o liberalismo económico, a democracia e os direitos humanos) e o seu prestígio.
Os objectivos da política externa podem ser alcançados através da cooperação internacional, integração, agressão, guerra, exploração, ameaça. Estes instrumentos são usados consoante as conjunturas interna e internacional, bem como o retro -alimentação de outros Estados à política externa de um certo Estado. Isto acontece porque a política externa resulta, acima de tudo, do processo decisório interno que a racionalidade do Estado enquanto actor primário e único muitas vezes não consegue ultrapassar porque outros actores como grupos de pressão, líderes de opinião pública internos, partidos políticos na oposição, as Organizações não governamentais exercem um papel impedidor bastante profundo para a execução de tal política. Por outro lado, a situação político-militar, económico-financeira, sócio - cultural é determinante para o avanço ou recuo na prática de uma política externa.
Retrospectiva da política Externa dos Estados unidos da América
A história da política externa dos Estados Unidos caracteriza-se por três pilares: isolacionaismo, internacionalismo e intervencionismo.
O isolacionismo caracteriza-se por abstenção, neutralidade ou isolamento nos assuntos externo e concentração nos assuntos domésticos. Os Estados Unidos, desde a sua criação primaram por esta política, até ao período anterior à Primeira Guerra Mundial, concretamente antes do ataque alemão aos submarinos norte-americanos no Oceano Atlântico em 1917 e ressurgiu, de forma oscilante, nos períodos 1919-40 e 1967-86.
O internacionalismo vigorou nos períodos de 1945 -1967 (intercalado por intervenções indirectas) e de 1995 -2000. Durante estes períodos os Estados Unidos engajaram-se na cooperação internacional, tomando protagonismo na criação de instituições multilaterais tais como a Organização das Nações Unidas, o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e a Organização Mundial do Comércio.
O intervencionismo foi mais evidente nos períodos 1990/91 – 1995 e 2001 – 2008. O intervencionismo que também se pode chamar de unilateralismo caracterizou-se por invasões sem ou com a aprovação das Nações Unidas. Esta continua a linha dos Estados Unidos da América na actualidade, legado da Administração Bush, que a Administração Obama vai procurar corrigir.
De referir que
Em primeira instância, ao modificar as metas da política externa, o principal problema enfrentado pelos líderes dos EUA tem sido conciliar as vantagens e desvantagens do isolacionismo e internacionalismo [bem como o intervencionismo]. Em certas alturas, líderes americanos e a opinião pública têm procurado a retirada dos EUA de assuntos internacionais (…) a fim de isolar o país dos perigos da dependência internacional e guerras estrangeiras. [Mas], em outras ocasiões, a política externa americana tem colocado no sentido oposto, em direcção a uma participação activa com outras nações [ou unilateralmente], as questões de momento, [isto é, da conjuntura internacional em vigor][ii].
Actual conjuntura internacional e a política externa de Barack Obama
Os Estados Unidos se inserem num mundo que mudou radicalmente, desde o fim da Guerra-fria. Por mais de 40 anos, os Estados Unidos e a União Soviética eram as principais potências rivais, na política externa e nos assuntos internacionais. Assim, a política externa e as relações internacionais dos EUA giravam amplamente em torno desta intensa rivalidade. Actualmente a União Soviética eclipsou, mas o seu herdeiro legítimo – a Rússia está a erguer-se como uma potência com quem o mundo deve contar na abordagem dos assuntos globais. Nesta conjuntura, não existem entendimentos comuns entre os americanos sobre o papel que os EUA deverão desempenhar no sistema internacional, embora existam menos constrangimentos externos contra a projecção de poder dos EUA no estrangeiro do que em qualquer momento desde os anos imediatamente após a II Guerra Mundial.
Por outro lado o sistema internacional caracteriza-se por uma série de ameaças e vulnerabilidades[iii] tais como:
1.Ambientais: (a)mudança climática – aquecimento da atmosfera, aumento do nível das águas oceânicas (que provoca as actuais controvérsias sobre as responsabilidades pela ocorrência desses fenómenos e pelos custos para sua prevenção ou atenuamento); (b) escassez e deterioração das reservas de água doce (que causa tensões em várias partes do mundo, inclusive quanto ao aproveitamento do Rio Jordão, no Oriente Médio e em grande parte da África), (c) desmatamento e redução da biodiversidade (amazónia e Congo); (d) redução dos stocks pesqueiros (tema de interesse global e que tem ocasionado variadas questões, como na costa do Canadá e, potencialmente, na Namíbia); (e) quantidade e qualidade dos alimentos (que se correlaciona com aspectos de defesa sanitária, com formas de proteccionismo comercial e, pelo ângulo da escassez potencial, com as perspectivas de crescimento demográfico mundial); (f) esgotamento e redução das jazidas de petróleo (de evidente interesse económico e estratégico) (g) contaminação nuclear (inclusive actividades pacíficas).
2. Demográficas: (a) crescimento da população mundial (a China em 2020 terá 1,6 milhões de pessoas, um crescimento de 33%).
3.Sanitárias: (a) fome (tema antigo mas que toma novas cores); (b) novos e resistentes vírus (que contagiam o homem em razão da destruição ambiental que os desaloja de seus habitats naturais, bem como o HIV que causa sida); (c) doenças ocupacionais (derivadas do estilo de vida abundante e de trabalho em condições de tensão psicológica).
4. Sociais: (a) controle dos cidadãos pelo Estado e dos consumidores pelas empresas (via propaganda e técnicas de marketing); (b) subemprego, desemprego e pobreza (temas antigos que ganham redobrada importância, tendo em vista os novos riscos económicos e a revolução de mentalidades em curso no mundo todo); (c) urbanização acelerada/inchaço das cidades/ abandono do campo.
5. Criminais: (a) narcotráfico; (b) lavagem de dinheiro; (c) contrabando de armas; (d) rime organizado; (d) corrupção; (e) terrorismo.
6. Tecnológicas: (a) manutenção de stocks de armas nucleares (se, agora, o terror nuclear se encontra mitigado, as armas nucleares permanecem sem dúvida presentes na cena mundial e em quantidade e qualidade superiores aos arsenais de 1968, quando foi assinado o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares; (b) incidentes químicos, biológicos e com irradiação nuclear; (c) demonstração nuclear (Coreia do Norte, Índia, Paquistão e Irão?); (d) armas convencionais sofisticadas, como as chamadas munições inteligentes; (e) interferência eletrônica ("hackers", penetração de laboratórios nucleares, possibilidades de paralisação da vida civil, do sistema financeiro e da defesa).
7. Económicas e financeiras: (a) volatilidade dos fluxos de capitais de curto prazo; (b) instabilidade económica; (c) distribuição injusta de renda; (d) proteccionismo comercial e dumping.
8. Políticas: (a) emergência de variados tipos de fundamentalismo; (b) dificuldades para o fortalecimento da democracia onde existe esta, e para sua universalização (c) conflitos armados internos (com destaque para Sudão – Darfur, Somália, Tchad, República Democrática do Congo, República Centro Africana, Colômbia, Sri Lanka) e (d) Inter-estatais (Israel- Palestina?[iv], Índia – Paquistão, Etiópia – Eritreia, RDCongo – Ruanda, Sudão – Tchad, o Cáucaso).
Nesta conjuntura os EUA ocupam uma posição hegemónica. Deste modo, tem uma obrigação de se lidar com todos esses assuntos directa ou indirectamente. A Administração Obama será avaliada, na política externa, pela habilidade com que vai lidar com esta matéria, sobretudo os resultados que vai alcançar e no plano interno New Deal que implementar para superar os problemas socio-económicos do país.
Administração Obama e a Perspectiva da Política Externa Norte-americana
Barack Hussein Obama terá imensas dificuldades na condução da política externa dos Estados Unidos[v].
A primeira dificuldade que Obama enfrentará é em relação ao Médio Oriente. Para além do histórico conflito Israel – palestiniano, tem a questão do Iraque e do Irão. Se a questão do Irão parece manuseável em termos diplomáticos (basta a crença dos EUA de que o programa nuclear iraniano tem fins pacíficos) e não implique o desgaste imediato da figura do Obama e da reputação da América, o Iraque é uma carta determinante para a recuperação do prestígio americano a nível global. A promessa de retirada do Iraque não parece tão fácil e imediata quanto apregoa o presidente Obama. Tem em sua volta uma série de consequências, dentre as quais a eclosão/recrudescimento de uma guerra civil entre as seitas iraquianas já em “degladiamento”. O único facto certo é ele quem tem de resolver o problema iraquiano e retirar as tropas daquele país. Para tal é necessário entender as razões que levaram a Administração Bush a invadir o Iraque.
Na Ásia, em geral acredita-se que Obama vai fortificar as relações comerciais com a China, o Japão, os Tigres Asiáticos e com a Índia, mas hesitará qualquer aprofundamento das relações políticas com a Índia e com o Paquistão. Quanto ao Afeganistão ele próprio declarou publicamente e de forma repetitiva que não haveria uma mudança retrógrada, senão o reforço da presença norte-americana naquele país.
Com a Europa, é possível que a Administração Obama venha aprofundar as relações comerciais com a União Europeia e melhorar as relações políticas e diplomáticas com a Rússia. Mas, o processo da expansão da NATO conhecerá um abrandamento a custa da aproximação com a Rússia. Em adição, poder-se-á discutir e provavelmente alcançar entendimentos no concernente aos assuntos do Tratado de Kyoto e da Ronda de Doha sobre a liberalização mundial do comércio, assuntos que dividiram a Europa e os EUA durante a Administração Bush.
O continente africano não espera muito da Administração Obama. O continente africano foi um dos mais privilegiados pela Administração Bush, sobretudo no combate ao HIV/SIDA e no financiamento de projectos de desenvolvimento, no âmbito dos programas Emergency Plan for AIDS Relief e Millenium Goals Challenge Account. Entretanto, persiste a dúvida sobre a continuidade destes programas pela a futura administração. Repare-se que poucas vezes se não nenhuma vez Barack Obama falou de África como prioridade. As razões podem ser óbvias (evitar conotações de favoritismo, por ser afro-americano). Mas não há garantia de que este receio não vai prevalecer durante a sua governação.
Em relação aos conflitos em Darfur e na Somália, no Tchad e na República Centro-Africana, para além da República Democrática do Congo, o cenário é sombrio. Bush envidou enormes esforços para resolvê-los, pelo que não se acredita que Obama venha fazer mais do que o Bush fez, em parte pelas mesmas razões acima indicadas e por falta de vontade politica das partes destes conflitos, bem como dos apoiantes logístico - financeiros.
A prioridade de Obama parece ser, segundo declarou várias vezes em seus discursos, a América Latina. Não temos razões específicas para tal. Todavia, sabemos que pretende levantar o embargo a Cuba que dura há mais de 50 anos, melhorar as relações políticas com a Venezuela e outros Estados da região, para além de resolver a questão que muito preocupa aos latino-americanos – a questão da emigração.
Considerações finais
A política externa dos Estados Unidos sob Administração de Barack Obama caracterizar-se-á por posturas avançadas e retrógradas. O realismo político norte-americano caracterizado pelo intervencionismo da Doutrina Bush render-se-á ao internacionalismo virado para a recuperação do prestígio internacional e acanhado pelos problemas sócio – económicos internos, com destaque para a crise que abala o país e o mundo.
Para que tal seja possível e que os sinais de mudança sejam visíveis será necessário trabalhar arduamente para fechar a Prisão de Guantánamo, acabar com a tortura e as prisões clandestinas no exterior, bem como anular as dívidas dos países mais pobres e adoptar conceito de "comércio justo", no quadro da Organização Mundial do Comércio.
Finalmente, deve-se evitar em todos círculos de análise, os seguintes equívocos: a crença em que a simples eleição de Obama dará início a uma nova era e o fatalismo de pensar que ele governará obrigatoriamente de acordo com as mesmas velhas práticas. Alguma coisa irá mudar, mas no concernente ao combate ao terrorismo e ao Conflito Israel - Palestiniano, “ a América continuará sempre Ámerica”[vi].
Referências
[i] Dictionary online: foreign policy, disponível em:http://www.answers.com/topic/foreign-policy, acesso em 05.11.2008
[ii] Ibidem
[iii] Sardenberg, Ronaldo Mota (1998). Segurança Global: Nações Unidas e Novas Vulnerabilidades. Artigo apresentado no Seminário “Brasil e as Novas Dimensões da Segurança Internacional”, realizado pelo
IEA em 11 de Setembro. Disponível em: http://www.iea.usp.br/iea/textos/sardenbergsegurancaglobal.pdf. acesso em 05.11.2008.
[iv] Há dificuldades de classificação deste conflito como interou intra estatal.
[v] Carlen, Laura ( 2008). Barack Obama e a América Latina: in Le Monde Diplomatique – Brasil, Edição de 09/09/2008.
[vi] Obama, Barack Hussein, no discurso após a vitória eleitoral sobre John MacCain, RTPÁfrica. 05.11.2008, 7h15, Hora de Moçambique.
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